segunda-feira, 14 de junho de 2010
Inexplicável?
O primeiro ministro Netanyahu justificou o ataque dizendo que é preciso evitar que o Hamas receba armas por “ar, terra e mar” – desviando-se do fato de que o Hamas recebe essas armas por túneis - e que nenhum protesto o levará a levantar o bloqueio contra Gaza. Essa é a questão de fundo: Tel Aviv não renunciou ao sonho da Grande Israel e o cerco imposto a Gaza prejudica, mais do que ao Hamas, a seus habitantes, que já sofreram a Operação Chumbo Derretido que tirou a vida de 1.300 civis palestinos. Isto, falando claramente, chama-se limpeza étnica e sua história também é velha.
O ideólogo do movimento de direita denominado Sionismo revisionista, Zeev Jabotinsky, declarou há 87 anos que a única maneira de impor o Estado judeu era esmagando os árabes. Não é de se estranhar, portanto, que Ron Torossian, organizador da manifestação “Estamos com Israel”, realizada em frente à missão da Turquia na ONU, repetisse essa opinião: “Creio que devemos matar cem ou mil árabes por cada judeu que eles matam”. Por que não 100 mil ou 1 milhão? Por acaso Ariel Sharon não foi responsável, em 1982, pela ação de uma milícia que resultou na matança de quase 500 civis palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila? Se isso é ideologia será preciso mudar a definição da palavra “ideologia”.
O governo israelense parece guiado por outro conceito central de Jabotinsky: “Sustentamos que o sionismo é moral e justo. E dado que é moral e justo, é preciso fazer justiça ainda que José ou Simão, ou Ivan ou Ajmed, não estejam de acordo”, afirmou em um ensaio publicado na revista russa Raavyet, em novembro de 1923. Carlo Strenger, professor da Universidade de Tel Aviv, chamou de “mentalidade de bunker” aquela imperante hoje no país: Israel “não escuta a crítica, seja interna ou externa. Essa incompetência é reforçada pela soberba: Israel está apaixonado pela idéia de que tem razão e que todos os demais estão errados; portanto, é incapaz de admitir que a política que aplica aos palestinos foi desastrosa”. Strenger cita o filósofo francês Bernard- Henry Lévy, um fervoroso defensor de Israel, que chamou de “autismo político” este pensamento que atribui aos dirigentes israelenses: “O mundo não nos entende e nos condena se fazemos algo e nos condena se não fazemos. De modo que fazemos o que queremos”. Jabotinsky redivivo.
Os EUA sempre forneceram o espaço internacional necessário para que essa vontade se cumpra acima de qualquer coisa. “A única democracia na região”, segundo a Casa Branca, não vacila em espionar o governo estadunidense neste contexto de “fazer o que bem entender”. A reação de Obama frente ao ataque ao navio turbo e ao banho de sangue que se seguiu foi débil. Sequer condenou o ataque, pedindo apenas um esclarecimento dos fatos e aceitando que Tel Aviv rechaçasse a instalação de uma comissão investigadora internacional. O presidente norte-americano se converte assim em cúmplice da não- investigação que será feita. O presidente Joe Biden divulgou uma espécie de posição oficial sobre o tema: defendeu o bloqueio de Gaza e disse que Israel “tinha o direito a saber” qual era a carga do navio. Cabe lembrar que Netanyahu deu uma bofetada política em Biden quando este visitou-o em março passado: o vice foi visitá-lo para impulsionar o processo de paz com os palestinos e o primeiro-ministro anunciou a construção de 1.600 edifícios novos em território palestino ocupado. Vê-se que Biden é um homem que sabe perdoar. É improvável que se produzam mudanças na estreita e muito íntima relação EUA-Israel.
Cabe reconhecer que, ao contrário de Tel Aviv, Washington não tem problema em abandonar seus cidadãos em apuros, Cerca de 10 estadunidenses viajavam no comboio de ajuda humanitária a Gaza, entre eles, Joe Meadors, marinheiro da fragata USS Liberty, bombardeada por aviões e lanchas lança-torpedos de Israel em 1967; Ann Wright, coronel do Exército dos EUA, Edward L. Peck, ex-subdiretor do grupo de tarefas antiterroristas do gabinete de Reagan. Todos terroristas, naturalmente.
(*) Poeta, escritor, tradutor e jornalista argentino, vencedor do Prêmio Cervantes 2007 e do Prêmio de Literatura Latino-Americana e das Caraíbas Juan Rulfo, entre outros.
Tradução: Katarina Peixoto
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sábado, 17 de abril de 2010
Chomsky: o que está em jogo na questão do Irã.
David Goessmann/Fabian Scheidler - Freitag
Barak Obama obteve em 2009 o Prêmio Nobel da Paz enquanto enviava mais tropas ao Afeganistão. O que ocorreu com a “mudança” prometida?
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Quanto custa um pôr de sol?
As relações humanas se transformaram em transações comerciais e tudo, tudo mesmo, do sexo à Santísssima Trindade, vira mercadoria e chance de lucro
Um grande empresário americano, estando em Roma, quis mostrar ao filho a beleza de um pôr de sol nas colinas de Castelgandolfo. Antes de se postarem num bom ângulo, o filho perguntou ao pai:”pai, onde se paga”? Esta pergunta revela a estrutura da sociedade dominante, assentada sobre a economia e o mercado. Nela para tudo se paga - também um pôr de sol - tudo se vende e tudo se compra. Ela operou, segundo notou ainda em 1944 o economista norte-americano Polanyi, a grande transformação ao conferir valor econômico a tudo. As relações humanas se transformaram em transações comerciais e tudo, tudo mesmo, do sexo à Santísssima Trindade, vira mercadoria e chance de lucro.
Se quisermos qualificá-la, diríamos que esta é uma sociedade produtivista, consumista e materialista. É produtivista porque explora todos os recursos e serviços naturais visando o lucro e não a preservação da natureza. É consumista porque se não houver consumo cada vez maior não há também produção nem lucro. É materialista pois sua centralidade é produzir e consumir coisas materiais e não espirituais como a cooperação e o cuidado. Está mais interessada no crescimento quantitativo – como ganhar mais – do que no desenvolvimento qualitativo – como viver melhor com menos – em harmonia com a natureza, com equidade social e sustentabilidade sócio-ecológica.
Cabe insistir no óbvio: não há dinheiro que pague um pór do sol. Não se compra na bolsa a lua cheia “que sabe de mi largo caminar”. A felicidade, a amizade, a lealdade e o amor não estão à venda nos shoppings. Quem pode viver sem esses intangíveis? Aqui não funciona a lógica do interesse, mas da gratuidade, não a utilidade prática mas o valor intrínseco da natureza, da ridente paisagem, do carinho entre dois enamorados. Nisso reside a felicidade humana.
O insuspeito George Soros, o grande especulador das bolsas mundiais, confessa em seu livro A crise do capitalismo (1999):”uma sociedade baseada em transações solapa os valores sociais; estes expressam um interesse pelos outros; pressupõem que o indivíduo pertence a uma comunidade, seja uma família, uma tribo, uma nação ou a humanidade, cujos interesses têm preferência em relação aos interesses individuais. Mas uma economia de mercado é tudo menos uma comunidade. Todos devem cuidar dos seus próprios interesses...e maximizar seus lucros, com exclusão de qualquer outra consideração”(p. 120 e 87).
Uma sociedade que decide organizar-se sem uma ética mínima, altruísta e respeitosa da natureza, está traçando o caminho de sua própria auto-destruição.
Então, não causa admiração o fato de termos chegado aonde chegamos, ao aquecimento global e à aterradora devastação da natureza, com ameaças de extinção de vastas porções da biosfera e, no termo, até da espécie humana.
Suspeito que ao não quebrarmos o paradigma produtivista/consumista/materialista em direção do cultivo do capital espiritual e da sustentação de toda a vida, com um sentido de mútua pertença entre terra e humanidade, podemos encontrar pela frente a escuridão.
Devemos tentar ser, pelo menos um pouco, como a rosa, cantada pelo místico poeta Angelus Silesius (+1677) : “a rosa é sem porquê: floresce por florescer, não cuida de si mesma nem pede para ser olhada”(aforismo 289). Essa gratuidade é uma das pilastras do novo pardigma salvador.
- Leonardo Boff é Teólogo.
quarta-feira, 31 de março de 2010
Slavoj Žižek - Roda Viva
domingo, 28 de março de 2010
Protágoras de Abdera - de Sexto Empírico
Tradução de Álvaro Nunes
Sexto Empírico, Contra os Lógicos, I. 60-64.
sexta-feira, 26 de março de 2010
Slavoj Žižek - "Žižek!" Documentário
quinta-feira, 25 de março de 2010
O LEGADO DE 1989, EM DOIS HEMISFÉRIOS
quarta-feira, 24 de março de 2010
Presidentes “Pacificadores” da América Latina
Barack Obama, o quarto presidente estadunidense a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, se junta aos outros na longa tradição de pacificação, desde que esta atenda aos interesses dos EUA.
Todos os quatro presidentes deixaram suas marcas na “nossa pequena região, por aqui, que nunca incomodou ninguém,” como o Secretário de Guerra Henry L. Stimson caracterizou o hemisfério em 1945.
Dado o posicionamento da administração Obama acerca das eleições hondurenhas em Novembro, pode valer à pena examinar o histórico
Theodore Roosevelt
No seu segundo mandato como presidente, Theodore Roosevelt disse, “A expansão dos povos de sangue branco ou europeu durante os últimos quatro séculos tem sido repleta de benefícios duradouros para a maioria dos povos que habitam as terras nas quais a expansão se deu,” diferentemente do que os africanos, nativos americanos, filipinos e outros beneficiários podem erradamente acreditar.
Foi, portanto, “inevitável e muitíssimo desejado para o bem da humanidade, que o povo americano pudesse finalmente desapropriar os mexicanos,” por ter conquistado metade do México e, “estava fora de questão esperar (que os Texanos) se submetessem ao domínio de uma raça mais fraca.”
Usar de diplomacia bélica para roubar o Panamá da Colômbia para construir o canal também foi um presente à humanidade.
Woodrow Wilson
Woodrow Wilson é o mais honrado dos presidentes premiados e indiscutivelmente o pior para a América Latina.
A invasão do Haiti, por Wilson, em 1915, matou milhares, restaurou uma escravidão virtual e deixou grande parte do país em ruínas.
Demonstrando seu amor à democracia, Wilson ordenou a seus marines que dissolvessem o parlamento haitiano pela força, por este falhar ao aprovar uma legislação “progressista” que permitisse às corporações estadunidenses comprar o país. O problema foi remediado quando os haitianos adotaram uma constituição redigida pelos EUA, sob a pontaria dos marines. Defendendo esta tutela o Departamento de Estado disse que este ato seria “benéfico para o Haiti”.
Wilson também invadiu a República Dominicana para garantir o bem estar deste país. Ambos os países foram deixados sob a tutela de cruéis guardas nacionais. Décadas de torturas, violências e sofrimento lá, transformaram-se no legado do “idealismo Wilsoniano”, um princípio fundamental da política externa estadunidense.
Jimmy Carter
Para o Presidente Jimmy Carter, os direitos humanos eram “a alma de nossa política externa.”
Robert Pastor, conselheiro de segurança nacional em assuntos latino-americanos de Carter, elucidou algumas importantes distinções entre direitos e políticas: Lamentavelmente, a administração teve que apoiar o regime do ditador Nicaragüense Anastásio Somoza, e quando isso se provou impossível, teve que manter a guarda nacional – treinada pelos EUA – mesmo depois de esta ter massacrado a população “com uma brutalidade que a nação normalmente reserva aos seus inimigos”, matando aproximadamente 40.000 pessoas.
Para Pastor, a razão é elementar: “Os Estados Unidos não queriam controlar a Nicarágua ou as outras nações da região, mas também não queriam que o desenvolvimento ficasse fora de controle. Queriam que os nicaragüenses agissem com independência, exceto quando isso afetasse negativamente os interesses do EUA.”
Barack Obama
O Presidente Barack Obama separou os EUA de quase todos os países latino-americanos e europeus ao aceitar o golpe militar que diluiu a democracia hondurenha no Junho último.
O golpe refletiu um “bocejo político e divisão socioeconômica”, reportou The New York Times. Para a “minoritária classe superior,” o Presidente hondurenho Manuel Zelaya estava se tornando uma ameaça para o que eles chamam “democracia”,a saber, a regra do “mais poderoso negócio e força política no país.”
Zelaya estava tomando medidas perigosas como o aumento do salário mínimo num país onde 60% da população vive na pobreza. Ele tinha que partir.
Virtualmente sozinho, os EUA reconheceram as eleições de Novembro (com Pepe Lobo como vencedor) realizadas sob um regime militar – “uma grande celebração da democracia,” de acordo com Hugo Llorens, embaixador de Obama.
O apoio também preservou o uso da base aérea hondurenha Palmerola, cada vez mais valiosa pelo fato da retirada de militares americanos na maior parte da América Latina.
Após as eleições, Lewis Anselem, representante de Obama na Organização dos Estados Americanos, instruiu os latino-americanos contrários que eles deveriam reconhecer o golpe militar e se juntarem aos EUA “no mundo real, não no mundo o realismo mágico.”
Obama inaugurou o apoio a golpes militares. O governo estadunidense funda o Instituto Republicano Internacional (International Republican Institute) e o Instituto Democrático Nacional (National Democratic Institute), que são mantidos para promover a democracia.
O IRI apóia, ocasionalmente, golpes militares para subverter governos eleitos, mais recentemente na Venezuela em 2002 e Haiti em 2004.
Porém, o NDI deteve-se. Em Honduras, pela primeira vez, o NDI de Obama acordou em observar as eleições sob a tutela militar, ao contrário da OEA e Nações Unidas, que ainda vagam pelo mundo do realismo mágico.
Tendo em vista as estreitas ligações entre o Pentágono e os militares hondurenhos, e a enorme alavancagem econômica estadunidense no país, teria sido um problema ordinário para Obama acompanhar os esforços latino-americanos e europeus para proteger a democracia hondurenha.
Mas Obama preferiu a política tradicional.
Sobre esta história das relações do hemisfério, o estudioso britânico Gordon Connel-Smith escreve, “Enquanto presta um apoio simulado ao encorajamento da democracia representativa na América Latina, os EUA têm, na verdade, um forte interesse no inverso,” sem considerar “o processo democrático, especialmente a realização de eleições, as quais têm se mostrado amiúde uma farsa.”
O funcionamento da democracia pode responder às preocupações populares, enquanto “os EUA têm se preocupado com a promoção das condições mais favoráveis para seus investimentos ultramarinos.”
É preciso de uma dose grande de o que, às vezes, é chamado de “ignorância intencional” para não enxergar os fatos.
Tal cegueira deve ser guardada zelosamente se é para a violência do Estado seguir em frente – sempre pelo bem da humanidade, como Obama nos lembrou novamente em seu discurso do Prêmio Nobel.
*Traduzido da língua inglesa.
Texto original: http://www.chomsky.info/articles/20100105.htm