quinta-feira, 25 de março de 2010

O LEGADO DE 1989, EM DOIS HEMISFÉRIOS

IN THESE TIMES, 3 DE DEZEMBRO DE 2009
Novembro marcou o aniversário de grandes eventos em 1989: “o mais importante ano da história do mundo desde 1945,” como o historiador britânico Timothy Garton Ash o descreve.

Aquele ano “mudou tudo,” escreve Garton Ash. As reformas de Mikhail Gorbatchev na Rússia e sua “renúncia ao uso da força exaustiva” levaram à queda do Muro de Berlim em 9 de Novembro – e a libertação da Europa Oriental pela tirania russa.

Os elogios são merecidos; os eventos, memoráveis. Mas perspectivas alternativas podem ser reveladoras.

A chanceler alemã, Angela Merkel, propiciou tal perspectiva – involuntariamente – quando nos convocou a “usar este inestimável presente de liberdade para ultrapassar os muros do nosso tempo.”

Uma maneira de seguir seu bom conselho seria desmantelar o muro maciço - que apequena o Muro de Berlim em escala e comprimento - que serpenteia através do território palestino em violação à legislação internacional.

O “muro da anexação”, como deveria ser chamado, é justificado pelo motivo de “segurança” – raciocínio padrão de muitas ações estatais. Se segurança fosse a preocupação, o muro deveria ser construído ao longo da fronteira e tornado intransponível.

O propósito desta monstruosidade, construída com apoio dos EUA e cumplicidade européia, é permitir que Israel tome valiosas terras palestinas e as principais reservas de água da região, além de negar qualquer viabilidade de existência, enquanto nação, da população nativa da antiga Palestina.

Outra perspectiva de 1989 vem de Thomas Carothers, um estudioso que serviu nos programas de “intensificação da democracia” na administração do ex-presidente Ronald Reagan.

Após revisar os antecedentes, Carothers conclui que todos os líderes dos EUA têm sido “esquizofrênicos” – apoiando a democracia somente se ela se adequar a objetivos estratégicos e econômicos dos EUA, como nos seguidores soviéticos mas não em estados-clientes dos EUA.

Esta perspectiva é dramaticamente confirmada pela recente comemoração dos eventos de novembro de 1989. A queda do Muro de Berlim foi corretamente celebrada, mas foi pouco noticiado o que aconteceu uma semana mais tarde; em 16 de novembro, em El Salvador, o assassinato de seis líderes intelectuais latino-americanos, padres jesuítas, assim como seu cozinheiro e sua filha, pela elite, o batalhão armado Atlacatl, recém saídos do renovado treinamento na Escola Especial de Guerra JFK em Fort Bragg, Carolina do Norte.

O batalhão e sua corte já tinham colecionado um histórico sangrento durante a terrível década em El Salvador que começou em 1980 com o assassinato, por essas mesmas mãos, do arcebispo Oscar Romero, conhecido como “a voz dos sem voz.”

Durante a década da “guerra contra o terror” declarada pela administração Reagan, o horror foi semelhante na América Central. O reinado da tortura, assassinato e destruição na região deixou centenas de milhares de pessoas mortas.

O contraste entre a liberação dos países subjugados aos soviéticos e a aniquilação da esperança nos clientes dos EUA é admirável e instrutivo – ainda mais quando ampliamos a perspectiva.


O assassinato dos intelectuais jesuítas acarretou num fim virtual da “teologia da libertação,” o renascimento do cristianismo que tem suas raízes modernas nas iniciativas do Papa João XXIII e o Concílio Vaticano II, que ele abriu em 1962.


Este concílio “conduziu a história da Igreja Católica para uma nova era,” escreveu o teólogo Hans Kung. Bispos latino-americanos adotaram a “opção preferencial pelos pobres.”


Conseqüentemente os bispos renovaram o pacifismo radical dos evangelhos que foram colocados de lado quando o Imperador Constantino determinou o cristianismo como religião do Império Romano – “uma revolução” que em menos de um século converteu “uma religião perseguida” numa “religião perseguidora”, de acordo com Kung.


Após o ressurgimento do Vaticano II, padres, freiras e leigos latino-americanos levaram a mensagem dos evangelhos para os pobres e perseguidos, os reuniram em comunidades, e os encorajaram a tomar seus destinos em suas próprias mãos.


A reação a essa heresia foi uma repressão violenta. Durante o terror e a carnificina, os praticantes da teologia da libertação eram os primeiros alvos.


Entre eles estão os seis mártires da igreja, cuja execução há vinte anos é agora comemorada com um retumbante silêncio, raramente quebrado.


No mês passado em Berlim, os três presidentes mais envolvidos na queda do Muro – Bush I, Gorbatchev e Kohl – discutiram quem merecia os créditos.


“Eu sei, agora, como os céus nos ajudaram,” disse Kohl. Bush I reverenciou o povo da Alemanha Oriental, que “por muito tempo foi privado dos seus direitos, concedidos por Deus.” Gorbachev sugeriu que os EUA precisariam de sua própria Perestróica.


Não há dúvidas sobre a responsabilidade de destruir a tentativa de reerguer a igreja dos evangelhos na América Latina durante os anos 80.


A Escola das Américas (Western Hemisphere Institute for Security Cooperation) em Fort Benning, Geórgia, que treina oficiais latino-americanos, orgulhosamente anuncia que o Exército Estadunidense ajudou a “derrotar a teologia da libertação” – apoiado, para ter certeza, pelo Vaticano, usando a mão suave da expulsão e supressão.


A campanha sinistra para reverter a heresia posta em movimento, pelo Concílio Vaticano II recebeu uma incomparável expressão literária na parábola do Grande Inquisidor de Dostoievski, "Os Irmãos Karamazov".


Nesta fábula, passada em Sevilha nos “piores tempos da inquisição,” Jesus Cristo aparece de repente nas ruas, “suavemente, sem ser visto, e ainda, por incrível que pareça, todos o reconhecem” e eram “irresistivelmente atraídos por ele.”


O Grande Inquisidor “ordena aos guardas que o peguem e levem-no” para uma prisão. Lá, ele acusa Cristo de vir para “impedir-nos” no grande trabalho de destruir as idéias subversivas de liberdade e comunidade. Não havemos de segui-lo, amaldiçoa o Inquisidor a Jesus, mas também não seguimos Roma ou “a Espada de Caesar.” Procuramos ser os governantes exclusivos da terra, assim podemos ensinar a multidão “fraca e vil” que “ela só se tornará livre se renunciar a sua liberdade e ceder-nos-la.” Aí eles estarão tímidos e assustados e felizes. Então amanhã o Inquisidor diz, “Eu devo queimar-vos.”


Finalmente, no entanto, o Inquisidor se acalma e solta “ela nos porões escuros da cidade.”


Os pupilos da Escola das Américas, comandada pelos EUA, não apresentou tal misericórdia.


*tradução independente do texto original

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