quarta-feira, 24 de março de 2010

Presidentes “Pacificadores” da América Latina

por Noam Chomsky, In These Times em 5 de janeiro de 2010.

Barack Obama, o quarto presidente estadunidense a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, se junta aos outros na longa tradição de pacificação, desde que esta atenda aos interesses dos EUA.


Todos os quatro presidentes deixaram suas marcas na “nossa pequena região, por aqui, que nunca incomodou ninguém,” como o Secretário de Guerra Henry L. Stimson caracterizou o hemisfério em 1945.

Dado o posicionamento da administração Obama acerca das eleições hondurenhas em Novembro, pode valer à pena examinar o histórico

Theodore Roosevelt

No seu segundo mandato como presidente, Theodore Roosevelt disse, “A expansão dos povos de sangue branco ou europeu durante os últimos quatro séculos tem sido repleta de benefícios duradouros para a maioria dos povos que habitam as terras nas quais a expansão se deu,” diferentemente do que os africanos, nativos americanos, filipinos e outros beneficiários podem erradamente acreditar.

Foi, portanto, “inevitável e muitíssimo desejado para o bem da humanidade, que o povo americano pudesse finalmente desapropriar os mexicanos,” por ter conquistado metade do México e, “estava fora de questão esperar (que os Texanos) se submetessem ao domínio de uma raça mais fraca.”

Usar de diplomacia bélica para roubar o Panamá da Colômbia para construir o canal também foi um presente à humanidade.

Woodrow Wilson

Woodrow Wilson é o mais honrado dos presidentes premiados e indiscutivelmente o pior para a América Latina.

A invasão do Haiti, por Wilson, em 1915, matou milhares, restaurou uma escravidão virtual e deixou grande parte do país em ruínas.

Demonstrando seu amor à democracia, Wilson ordenou a seus marines que dissolvessem o parlamento haitiano pela força, por este falhar ao aprovar uma legislação “progressista” que permitisse às corporações estadunidenses comprar o país. O problema foi remediado quando os haitianos adotaram uma constituição redigida pelos EUA, sob a pontaria dos marines. Defendendo esta tutela o Departamento de Estado disse que este ato seria “benéfico para o Haiti”.

Wilson também invadiu a República Dominicana para garantir o bem estar deste país. Ambos os países foram deixados sob a tutela de cruéis guardas nacionais. Décadas de torturas, violências e sofrimento lá, transformaram-se no legado do “idealismo Wilsoniano”, um princípio fundamental da política externa estadunidense.

Jimmy Carter

Para o Presidente Jimmy Carter, os direitos humanos eram “a alma de nossa política externa.”

Robert Pastor, conselheiro de segurança nacional em assuntos latino-americanos de Carter, elucidou algumas importantes distinções entre direitos e políticas: Lamentavelmente, a administração teve que apoiar o regime do ditador Nicaragüense Anastásio Somoza, e quando isso se provou impossível, teve que manter a guarda nacional – treinada pelos EUA – mesmo depois de esta ter massacrado a população “com uma brutalidade que a nação normalmente reserva aos seus inimigos”, matando aproximadamente 40.000 pessoas.

Para Pastor, a razão é elementar: “Os Estados Unidos não queriam controlar a Nicarágua ou as outras nações da região, mas também não queriam que o desenvolvimento ficasse fora de controle. Queriam que os nicaragüenses agissem com independência, exceto quando isso afetasse negativamente os interesses do EUA.”

Barack Obama

O Presidente Barack Obama separou os EUA de quase todos os países latino-americanos e europeus ao aceitar o golpe militar que diluiu a democracia hondurenha no Junho último.

O golpe refletiu um “bocejo político e divisão socioeconômica”, reportou The New York Times. Para a “minoritária classe superior,” o Presidente hondurenho Manuel Zelaya estava se tornando uma ameaça para o que eles chamam “democracia”,a saber, a regra do “mais poderoso negócio e força política no país.”

Zelaya estava tomando medidas perigosas como o aumento do salário mínimo num país onde 60% da população vive na pobreza. Ele tinha que partir.

Virtualmente sozinho, os EUA reconheceram as eleições de Novembro (com Pepe Lobo como vencedor) realizadas sob um regime militar – “uma grande celebração da democracia,” de acordo com Hugo Llorens, embaixador de Obama.

O apoio também preservou o uso da base aérea hondurenha Palmerola, cada vez mais valiosa pelo fato da retirada de militares americanos na maior parte da América Latina.

Após as eleições, Lewis Anselem, representante de Obama na Organização dos Estados Americanos, instruiu os latino-americanos contrários que eles deveriam reconhecer o golpe militar e se juntarem aos EUA “no mundo real, não no mundo o realismo mágico.”

Obama inaugurou o apoio a golpes militares. O governo estadunidense funda o Instituto Republicano Internacional (International Republican Institute) e o Instituto Democrático Nacional (National Democratic Institute), que são mantidos para promover a democracia.

O IRI apóia, ocasionalmente, golpes militares para subverter governos eleitos, mais recentemente na Venezuela em 2002 e Haiti em 2004.

Porém, o NDI deteve-se. Em Honduras, pela primeira vez, o NDI de Obama acordou em observar as eleições sob a tutela militar, ao contrário da OEA e Nações Unidas, que ainda vagam pelo mundo do realismo mágico.

Tendo em vista as estreitas ligações entre o Pentágono e os militares hondurenhos, e a enorme alavancagem econômica estadunidense no país, teria sido um problema ordinário para Obama acompanhar os esforços latino-americanos e europeus para proteger a democracia hondurenha.

Mas Obama preferiu a política tradicional.

Sobre esta história das relações do hemisfério, o estudioso britânico Gordon Connel-Smith escreve, “Enquanto presta um apoio simulado ao encorajamento da democracia representativa na América Latina, os EUA têm, na verdade, um forte interesse no inverso,” sem considerar “o processo democrático, especialmente a realização de eleições, as quais têm se mostrado amiúde uma farsa.”

O funcionamento da democracia pode responder às preocupações populares, enquanto “os EUA têm se preocupado com a promoção das condições mais favoráveis para seus investimentos ultramarinos.”

É preciso de uma dose grande de o que, às vezes, é chamado de “ignorância intencional” para não enxergar os fatos.

Tal cegueira deve ser guardada zelosamente se é para a violência do Estado seguir em frente – sempre pelo bem da humanidade, como Obama nos lembrou novamente em seu discurso do Prêmio Nobel.

*Traduzido da língua inglesa.

Texto original: http://www.chomsky.info/articles/20100105.htm

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