quarta-feira, 31 de março de 2010

Slavoj Žižek - Roda Viva

Entrevista com o sociólogo e filósofo esloveno Slavoj Žižek, no Roda Viva. Programa apresentado em 02/02/2009 no qual ele fala sobre as novas perspectivas da esquerda e seu livro - segundo ele, sua obra prima - "Visão em Paralaxe".

domingo, 28 de março de 2010

Protágoras de Abdera - de Sexto Empírico

Alguns pensam que Protágoras de Abdera pertence também ao grupo daqueles que aboliram o critério, uma vez que ele afirma que todas as impressões dos sentidos e todas as opiniões são verdadeiras e que a verdade é uma coisa relativa, uma vez que tudo o que aparece a alguém ou é opinado por alguém é imediatamente real para essa pessoa.

Não há dúvida de que no começo do seu livro Raciocínios Demolidores, ele afirmou que "De todas as coisas a medida é o homem, das coisas existentes que existem, e das coisas não existentes que não existem." E mesmo a afirmação contrária parece testemunhar a favor desta ideia. De facto, se alguém quiser afirmar que o homem não é o critério de todas as coisas, estará a confirmar a afirmação de que o homem é o critério de todas as coisas, uma vez que quem faz a afirmação é ele próprio um homem e ao afirmar o que aparece relativamente a si, confessa que a sua própria afirmação é uma das aparências relativamente a si próprio. E por isso também que o louco é um critério fiável das aparências que ocorrem num estado de loucura, aquele que está a dormir das do sono, a criança das da infância e o idoso das da velhice. Não é igualmente correcto rejeitar um conjunto de circunstâncias devido a um conjunto diferente de circunstâncias - quero dizer, as aparências que ocorrem no estado de loucura devido às impressões recebidas num estado mentalmente são, as do sono devido às do estado de vigília e as da infância devido às da velhice. De facto, tal como estas percepções não aparecem aos primeiros, inversamente também as aparências percebidas por estes não afectam aqueles. Como consequência, se o louco, ou aquele que está a dormir, não é um juiz de confiança das aparências que percebe por causa de estar num determinado estado de alma, uma vez que quer o homem são de espírito quer o homem acordado também estão num certo estado de alma, também não serão de confiança para a determinação das suas percepções. Vendo, por conseguinte, que nenhuma impressão é recebida separada das circunstâncias, devemos acreditar em cada homem tendo em conta as impressões recebidas nas suas próprias circunstâncias. E, como alguns supuseram, este homem [Protágoras] rejeita o critério porque percebeu que este pretende ser um teste de realidades absolutas e pretende distinguir entre o verdadeiro e o falso, ao passo que o homem ainda agora mencionado não admite a existência de qualquer coisa absolutamente real ou falsa.

Tradução de Álvaro Nunes

Sexto Empírico, Contra os Lógicos, I. 60-64.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Slavoj Žižek - "Žižek!" Documentário

Slavoj Žižek é um filósofo e sociólogo esloveno. Neste sensacional documentário, entre palestras e entrevistas ele fala de psicanálise, filosofia e política.













quinta-feira, 25 de março de 2010

O LEGADO DE 1989, EM DOIS HEMISFÉRIOS

IN THESE TIMES, 3 DE DEZEMBRO DE 2009
Novembro marcou o aniversário de grandes eventos em 1989: “o mais importante ano da história do mundo desde 1945,” como o historiador britânico Timothy Garton Ash o descreve.

Aquele ano “mudou tudo,” escreve Garton Ash. As reformas de Mikhail Gorbatchev na Rússia e sua “renúncia ao uso da força exaustiva” levaram à queda do Muro de Berlim em 9 de Novembro – e a libertação da Europa Oriental pela tirania russa.

Os elogios são merecidos; os eventos, memoráveis. Mas perspectivas alternativas podem ser reveladoras.

A chanceler alemã, Angela Merkel, propiciou tal perspectiva – involuntariamente – quando nos convocou a “usar este inestimável presente de liberdade para ultrapassar os muros do nosso tempo.”

Uma maneira de seguir seu bom conselho seria desmantelar o muro maciço - que apequena o Muro de Berlim em escala e comprimento - que serpenteia através do território palestino em violação à legislação internacional.

O “muro da anexação”, como deveria ser chamado, é justificado pelo motivo de “segurança” – raciocínio padrão de muitas ações estatais. Se segurança fosse a preocupação, o muro deveria ser construído ao longo da fronteira e tornado intransponível.

O propósito desta monstruosidade, construída com apoio dos EUA e cumplicidade européia, é permitir que Israel tome valiosas terras palestinas e as principais reservas de água da região, além de negar qualquer viabilidade de existência, enquanto nação, da população nativa da antiga Palestina.

Outra perspectiva de 1989 vem de Thomas Carothers, um estudioso que serviu nos programas de “intensificação da democracia” na administração do ex-presidente Ronald Reagan.

Após revisar os antecedentes, Carothers conclui que todos os líderes dos EUA têm sido “esquizofrênicos” – apoiando a democracia somente se ela se adequar a objetivos estratégicos e econômicos dos EUA, como nos seguidores soviéticos mas não em estados-clientes dos EUA.

Esta perspectiva é dramaticamente confirmada pela recente comemoração dos eventos de novembro de 1989. A queda do Muro de Berlim foi corretamente celebrada, mas foi pouco noticiado o que aconteceu uma semana mais tarde; em 16 de novembro, em El Salvador, o assassinato de seis líderes intelectuais latino-americanos, padres jesuítas, assim como seu cozinheiro e sua filha, pela elite, o batalhão armado Atlacatl, recém saídos do renovado treinamento na Escola Especial de Guerra JFK em Fort Bragg, Carolina do Norte.

O batalhão e sua corte já tinham colecionado um histórico sangrento durante a terrível década em El Salvador que começou em 1980 com o assassinato, por essas mesmas mãos, do arcebispo Oscar Romero, conhecido como “a voz dos sem voz.”

Durante a década da “guerra contra o terror” declarada pela administração Reagan, o horror foi semelhante na América Central. O reinado da tortura, assassinato e destruição na região deixou centenas de milhares de pessoas mortas.

O contraste entre a liberação dos países subjugados aos soviéticos e a aniquilação da esperança nos clientes dos EUA é admirável e instrutivo – ainda mais quando ampliamos a perspectiva.


O assassinato dos intelectuais jesuítas acarretou num fim virtual da “teologia da libertação,” o renascimento do cristianismo que tem suas raízes modernas nas iniciativas do Papa João XXIII e o Concílio Vaticano II, que ele abriu em 1962.


Este concílio “conduziu a história da Igreja Católica para uma nova era,” escreveu o teólogo Hans Kung. Bispos latino-americanos adotaram a “opção preferencial pelos pobres.”


Conseqüentemente os bispos renovaram o pacifismo radical dos evangelhos que foram colocados de lado quando o Imperador Constantino determinou o cristianismo como religião do Império Romano – “uma revolução” que em menos de um século converteu “uma religião perseguida” numa “religião perseguidora”, de acordo com Kung.


Após o ressurgimento do Vaticano II, padres, freiras e leigos latino-americanos levaram a mensagem dos evangelhos para os pobres e perseguidos, os reuniram em comunidades, e os encorajaram a tomar seus destinos em suas próprias mãos.


A reação a essa heresia foi uma repressão violenta. Durante o terror e a carnificina, os praticantes da teologia da libertação eram os primeiros alvos.


Entre eles estão os seis mártires da igreja, cuja execução há vinte anos é agora comemorada com um retumbante silêncio, raramente quebrado.


No mês passado em Berlim, os três presidentes mais envolvidos na queda do Muro – Bush I, Gorbatchev e Kohl – discutiram quem merecia os créditos.


“Eu sei, agora, como os céus nos ajudaram,” disse Kohl. Bush I reverenciou o povo da Alemanha Oriental, que “por muito tempo foi privado dos seus direitos, concedidos por Deus.” Gorbachev sugeriu que os EUA precisariam de sua própria Perestróica.


Não há dúvidas sobre a responsabilidade de destruir a tentativa de reerguer a igreja dos evangelhos na América Latina durante os anos 80.


A Escola das Américas (Western Hemisphere Institute for Security Cooperation) em Fort Benning, Geórgia, que treina oficiais latino-americanos, orgulhosamente anuncia que o Exército Estadunidense ajudou a “derrotar a teologia da libertação” – apoiado, para ter certeza, pelo Vaticano, usando a mão suave da expulsão e supressão.


A campanha sinistra para reverter a heresia posta em movimento, pelo Concílio Vaticano II recebeu uma incomparável expressão literária na parábola do Grande Inquisidor de Dostoievski, "Os Irmãos Karamazov".


Nesta fábula, passada em Sevilha nos “piores tempos da inquisição,” Jesus Cristo aparece de repente nas ruas, “suavemente, sem ser visto, e ainda, por incrível que pareça, todos o reconhecem” e eram “irresistivelmente atraídos por ele.”


O Grande Inquisidor “ordena aos guardas que o peguem e levem-no” para uma prisão. Lá, ele acusa Cristo de vir para “impedir-nos” no grande trabalho de destruir as idéias subversivas de liberdade e comunidade. Não havemos de segui-lo, amaldiçoa o Inquisidor a Jesus, mas também não seguimos Roma ou “a Espada de Caesar.” Procuramos ser os governantes exclusivos da terra, assim podemos ensinar a multidão “fraca e vil” que “ela só se tornará livre se renunciar a sua liberdade e ceder-nos-la.” Aí eles estarão tímidos e assustados e felizes. Então amanhã o Inquisidor diz, “Eu devo queimar-vos.”


Finalmente, no entanto, o Inquisidor se acalma e solta “ela nos porões escuros da cidade.”


Os pupilos da Escola das Américas, comandada pelos EUA, não apresentou tal misericórdia.


*tradução independente do texto original

quarta-feira, 24 de março de 2010

Presidentes “Pacificadores” da América Latina

por Noam Chomsky, In These Times em 5 de janeiro de 2010.

Barack Obama, o quarto presidente estadunidense a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, se junta aos outros na longa tradição de pacificação, desde que esta atenda aos interesses dos EUA.


Todos os quatro presidentes deixaram suas marcas na “nossa pequena região, por aqui, que nunca incomodou ninguém,” como o Secretário de Guerra Henry L. Stimson caracterizou o hemisfério em 1945.

Dado o posicionamento da administração Obama acerca das eleições hondurenhas em Novembro, pode valer à pena examinar o histórico

Theodore Roosevelt

No seu segundo mandato como presidente, Theodore Roosevelt disse, “A expansão dos povos de sangue branco ou europeu durante os últimos quatro séculos tem sido repleta de benefícios duradouros para a maioria dos povos que habitam as terras nas quais a expansão se deu,” diferentemente do que os africanos, nativos americanos, filipinos e outros beneficiários podem erradamente acreditar.

Foi, portanto, “inevitável e muitíssimo desejado para o bem da humanidade, que o povo americano pudesse finalmente desapropriar os mexicanos,” por ter conquistado metade do México e, “estava fora de questão esperar (que os Texanos) se submetessem ao domínio de uma raça mais fraca.”

Usar de diplomacia bélica para roubar o Panamá da Colômbia para construir o canal também foi um presente à humanidade.

Woodrow Wilson

Woodrow Wilson é o mais honrado dos presidentes premiados e indiscutivelmente o pior para a América Latina.

A invasão do Haiti, por Wilson, em 1915, matou milhares, restaurou uma escravidão virtual e deixou grande parte do país em ruínas.

Demonstrando seu amor à democracia, Wilson ordenou a seus marines que dissolvessem o parlamento haitiano pela força, por este falhar ao aprovar uma legislação “progressista” que permitisse às corporações estadunidenses comprar o país. O problema foi remediado quando os haitianos adotaram uma constituição redigida pelos EUA, sob a pontaria dos marines. Defendendo esta tutela o Departamento de Estado disse que este ato seria “benéfico para o Haiti”.

Wilson também invadiu a República Dominicana para garantir o bem estar deste país. Ambos os países foram deixados sob a tutela de cruéis guardas nacionais. Décadas de torturas, violências e sofrimento lá, transformaram-se no legado do “idealismo Wilsoniano”, um princípio fundamental da política externa estadunidense.

Jimmy Carter

Para o Presidente Jimmy Carter, os direitos humanos eram “a alma de nossa política externa.”

Robert Pastor, conselheiro de segurança nacional em assuntos latino-americanos de Carter, elucidou algumas importantes distinções entre direitos e políticas: Lamentavelmente, a administração teve que apoiar o regime do ditador Nicaragüense Anastásio Somoza, e quando isso se provou impossível, teve que manter a guarda nacional – treinada pelos EUA – mesmo depois de esta ter massacrado a população “com uma brutalidade que a nação normalmente reserva aos seus inimigos”, matando aproximadamente 40.000 pessoas.

Para Pastor, a razão é elementar: “Os Estados Unidos não queriam controlar a Nicarágua ou as outras nações da região, mas também não queriam que o desenvolvimento ficasse fora de controle. Queriam que os nicaragüenses agissem com independência, exceto quando isso afetasse negativamente os interesses do EUA.”

Barack Obama

O Presidente Barack Obama separou os EUA de quase todos os países latino-americanos e europeus ao aceitar o golpe militar que diluiu a democracia hondurenha no Junho último.

O golpe refletiu um “bocejo político e divisão socioeconômica”, reportou The New York Times. Para a “minoritária classe superior,” o Presidente hondurenho Manuel Zelaya estava se tornando uma ameaça para o que eles chamam “democracia”,a saber, a regra do “mais poderoso negócio e força política no país.”

Zelaya estava tomando medidas perigosas como o aumento do salário mínimo num país onde 60% da população vive na pobreza. Ele tinha que partir.

Virtualmente sozinho, os EUA reconheceram as eleições de Novembro (com Pepe Lobo como vencedor) realizadas sob um regime militar – “uma grande celebração da democracia,” de acordo com Hugo Llorens, embaixador de Obama.

O apoio também preservou o uso da base aérea hondurenha Palmerola, cada vez mais valiosa pelo fato da retirada de militares americanos na maior parte da América Latina.

Após as eleições, Lewis Anselem, representante de Obama na Organização dos Estados Americanos, instruiu os latino-americanos contrários que eles deveriam reconhecer o golpe militar e se juntarem aos EUA “no mundo real, não no mundo o realismo mágico.”

Obama inaugurou o apoio a golpes militares. O governo estadunidense funda o Instituto Republicano Internacional (International Republican Institute) e o Instituto Democrático Nacional (National Democratic Institute), que são mantidos para promover a democracia.

O IRI apóia, ocasionalmente, golpes militares para subverter governos eleitos, mais recentemente na Venezuela em 2002 e Haiti em 2004.

Porém, o NDI deteve-se. Em Honduras, pela primeira vez, o NDI de Obama acordou em observar as eleições sob a tutela militar, ao contrário da OEA e Nações Unidas, que ainda vagam pelo mundo do realismo mágico.

Tendo em vista as estreitas ligações entre o Pentágono e os militares hondurenhos, e a enorme alavancagem econômica estadunidense no país, teria sido um problema ordinário para Obama acompanhar os esforços latino-americanos e europeus para proteger a democracia hondurenha.

Mas Obama preferiu a política tradicional.

Sobre esta história das relações do hemisfério, o estudioso britânico Gordon Connel-Smith escreve, “Enquanto presta um apoio simulado ao encorajamento da democracia representativa na América Latina, os EUA têm, na verdade, um forte interesse no inverso,” sem considerar “o processo democrático, especialmente a realização de eleições, as quais têm se mostrado amiúde uma farsa.”

O funcionamento da democracia pode responder às preocupações populares, enquanto “os EUA têm se preocupado com a promoção das condições mais favoráveis para seus investimentos ultramarinos.”

É preciso de uma dose grande de o que, às vezes, é chamado de “ignorância intencional” para não enxergar os fatos.

Tal cegueira deve ser guardada zelosamente se é para a violência do Estado seguir em frente – sempre pelo bem da humanidade, como Obama nos lembrou novamente em seu discurso do Prêmio Nobel.

*Traduzido da língua inglesa.

Texto original: http://www.chomsky.info/articles/20100105.htm